
Optimus Primavera Sound – 3º dia (01/06/2013)
Texto por Afonso Sousa e Cláudia Filipe / Fotos por Hugo Rodrigues
Entrar no Parque da Cidade no sábado trouxe consigo alguma melancolia associada: nunca gostamos de saber que algo que nos tem preenchido tanto está prestes a acabar. Excelentes concertos, óptimo ambiente e um bonito sol a ajudar têm ajudado a garantir que este fim de semana será recordado mais tarde. Mas bem, ainda havia um dia inteiro prestes a acontecer e as expectativas estavam em alta, ou não fossem passar pelo Palco Optimus nomes míticos como My Bloody Valentine, Explosions In The Sky ou Dinosaur Jr.
De Barcelos para o palco Super Bock vieram os The Glockenwise, que editaram o seu segundo disco, Leeches, há pouco tempo. Consigo trouxeram descontracção, alegria e festa, como já vem sendo hábito. Garage rock sem peneiras nem pretensões, aliados ao desejo de uma juventude que nunca termine, são parte dos ingredientes para tornar a sua receita um sucesso. O público dançou, riu e brindou a uma forma triunfal de começar a tarde pelo recinto. Que se lixe ser adulto, nós queremos é Glockenwise.
Muitos foram os artistas oriundos de terras de nuestros hermanos que apareceram pelo Parque da Cidade. Uns bastante conhecidos, outros nem tanto. É no segundo grupo que cai Manel, vindos da catalunha e que se serve do próprio catalão para se exprimir. O folk que praticam à la Mumford & Sons e restantes amigos atraiu uns quantos curiosos, que se iam espalhando pela ribanceira, de toalhas esticadas a apreciar a banda enquanto aproveitavam um final de tarde soalheiro. Lá à frente, no entanto, ainda se conseguiam contar muitos conterrâneos entusiastas.
Também não evitámos prestar culto aos Paus. A banda continua capaz de impressionar pelo grito de guerra que exalta ao vivo. Fã português sabe para o que vai, estrangeiro vai conhecer. Depois do pastel de nata e do bacalhau, os pauliteiros de Miranda Quim Albergaria e Hélio Morais não farão ainda parte do guia turístico português, mas deviam. Do descontrolo de Descruzada ao “deslargar-me” de Deixa-me Ser, certamente que o património musical nacional ganhou mais um bom par de ouvidos no exterior.
Em Dinosaur Jr. já o recinto estava muito bem composto: o palco Optimus encheu para ver a mítica banda de Lou Barlow e J Mascis. E o caso não foi para menos; iguais a si mesmos, deram uma enorme lição de rock. E se dúvidas haviam, a rasgada Thumb a iniciar o concerto foi a prova de que estavam ali para deixar o seu nome na história desta edição do festival, dando um dos melhores concertos de que há memória nestes três dias. Pièce de résistance: Damian Abraham de Fucked Up subir ao palco para cantar Chunks (cover de Last Rights) e encerrar o concerto com chave de ouro.
Tinha já escurecido e ainda apenas as estrelas preenchiam o céu. Poucos minutos bastaram para que os Explosions In The Sky se encarregassem de o pintar da melhor maneira que sabem. Depois do murro no estômago que foi o cancelamento da banda em cima da hora na edição anterior do Primavera, a banda pareceu disposta a ripostar. E que verdadeira coça nos deu. Absolutamente irrepreensível o concerto dos texanos. Arrepio pela certa, choro para alguns. No caminho entre a delicadeza e o silêncio rumo à explosão, cada uma das incríveis viagens pelas quais canções como Postcard From 1952, Your Hand In Mine ou The Only Moment We Were Alone nos fazem passar, são seguramente das melhores memórias que vamos guardar deste e de qualquer outro Primavera que esteja para vir.
Prometia-se que o som ia estar alto, muito alto. Deram-se tampões à imprensa. Montou-se uma muralha de colunas em palco. Esperava-se desesperadamente por um monumental atropelamento com o shoegaze de Kevin Shields e da sua trupe. Esperava-se de braços abertos por um dos concertos mais aguardados do ano: My Bloody Valentine, última banda a actuar no palco Optimus na edição 2013 deste festival. O palco encheu-se de azul, tons que também adornam m b v, álbum que a banda editou no início deste ano, 22 anos depois do aclamado Loveless, disco que há de ficar para a história da música, e onde decidiram ir buscar a faixa para arrancar com a actuação. I Only Said abriu as hostes e rapidamente se começaram a ouvir algumas vozes de descontentamento. Falou-se em falta de voz, falta de volume nas guitarras. O que é certo é que se o desequilíbrio (se lhe podemos chamar assim) voz/guitarra é notório nos discos, esta discrepância ao vivo ganha outra dimensão. Há quem aceite, outros sentem falta de ouvir melhor a doçura na voz de Bilinda Butcher, enquanto se toca uma New You, por exemplo. Uma coisa é certa: este concerto de My Bloody Valentine não foi feito para ser apreciado por todos, mas abençoados daqueles que conseguem chegar lá, porque com toda a certeza viveram uma experiência para recordar para a posteridade.
Ainda os My Bloody Valentine tratavam de deliciar uma vasta plateia quando Damian Abraham voltava a subir a um palco do Primavera Sound. Desta feita com os seus Fucked Up, na tenda da Pitchfork. E foi ali que a temperatura aqueceu. Aos primeiros acordes de Queen of Hearts já se tinha aberto o mosh pit e já começavam as primeiras tentativas de crowd surf. Mas parte do que faz os concertos dos canadianos tão especiais é mesmo o frontman Abraham, a quem atribuir o adjectivo de enérgico é, claramente, subvalorizar. O hardcore deles é característico por ser festeiro, mas genuíno. E é exactamente isso que transparece e que cativa, e que nos fez a todos, para além do David, voltar à vida.
Já madrugada adentro e querendo adiar ao máximo o difícil adeus ao Parque da Cidade, voltámos por uma última vez ao palco ATP, onde demos de caras com Titus Andronicus. Malta da pesada, irreverente, sem juízo – diriam as nossas avós – mas que em palco catapulta toda a pujança punk, todo o espírito DIY, para outro nível. Bilhete imediato para Inglaterra dos meados dos 70’s.
Seguiu-se Headbirds, um jovem que desconhecíamos por absoluto mas que para nosso espanto se mostrou bastante capaz na arte das electrónicas. Quando o frio já apertava a espinha, soltou-se a alma para dançar um som que até se aproxima bastante do UK Garage. Não é britânico, Daniel Guijarro é de Barcelona (cidade já com tradição nestas andanças) e irá com certeza dar que falar.
Tal como se previa, custou cruzar os portões do Parque da Cidade pela última vez e deixar um fim-de-semana tão grande para trás. Connosco levamos recordações e muitos sorrisos trocados entre amigos ou meros desconhecidos que se encontravam perto de nós a ver qualquer concerto. Ao Primavera Sound dizemos até para o ano, com a certeza que ficou o desejo OPS, de voltar.