
Rock In Rio Lisboa – 2º dia (29/05/2014)
Texto por Cláudia Filipe / Fotos por Hugo Rodrigues
The Rolling Stones arrastaram 90 mil até ao Parque da Bela Vista. Nem o preço dos bilhetes, excepcionalmente mais caro para este dia, impediu que a lotação esgotasse. Um pouco por todo o lado, multiplicavam-se manifestações de apoio a uma das bandas mais míticas da história. A famosa língua aparecia em camisolas, bandeiras, acessórios para todos os gostos. O motivo para a enchente é muito simples: esta pode ter sido uma das últimas oportunidades para ver os britânicos por cá. Que se celebre então o seu legado, num dia que uniu portugueses, espanhóis, ingleses, nortenhos, sulistas, crianças, pais, tios. O rock tem destas coisas e nem o frio e chuva que se faziam sentir fez demover todos os curiosos que até ali se deslocaram.
Ao jeito do que já tinha acontecido no primeiro dia do festival, as festividades no Palco Mundo arrancaram com uma colaboração entre Rui Veloso, Lenine e Angélique Kidjo. Três improváveis que se juntaram numa actuação cheia de apontamentos interessantes e que marcou pela diferença. Se, ao início, não se esperavam novidades dado que optaram por abrir o set com alguns clássicos de Veloso (Lado Lunar ou Chico Fininho), depressa a situação toma outro rumo. Para isto, destacou-se principalmente a voz quente de Kidjo, que trouxe consigo o calor do Benim, e uma inesperada versão de Voodoo Child. Do outro lado do recinto, no palco Vodafone, começavam os Triptides que, na onda do psicadelismo-tame-impala, não foram capazes de ir mais além da banda sonora agradável para acompanhar um pôr-do-sol ventoso no alto da Bela Vista. Neste género, tão visto no último ano, resta saber quais as bandas que sobreviverão. Sai Rui Veloso, entram os Xutos & Pontapés, outros dos elevados a glórias do rock nacional. Já mais que habituados a estas andanças de festivais optaram, sem novidades, por destilar todos os clássicos, para não comprometer o principal motivo para estarem ali: a festa (porque, como diria o outro, é disto que o meu povo gosta). Adorados por milhares, muitas foram as vozes que não se coibiram de cantar os Contentores ou a Casinha.O relógio ia avançando, mas ainda era preciso esperar mais um pouco pelo tão ansiado momento. Gary Clark Jr. ficou com o ingrato papel de tocar antes da banda que toda a gente quer ver e pela qual já espera há demasiadas horas. O músico, que começou bem mostrando que sabe o que está a fazer com a guitarra, acabou por deixar o entusiasmo geral ir esmorecendo à medida que a actuação avançava. A monotonia, que chegou devagarinho, acabou por tomar conta do ambiente tendo até Bright Lights, o seu tema mais conhecido, passado despercebido numa altura em que as atenções já se encontravam demasiado dispersas.
Apesar das sete décadas em cima, Mick Jagger continua a preservar os seus famosos moves. A energia já não é a mesma, e isso fica óbvio desde o início. Mas, no final do dia, que importa quando o que fica é a sensação estrondosa de ter os The Rolling Stones a tocar ali a poucos metros. Fazem-se valer da grande banda que trazem em seu suporte (e a quem Charlie Watts bem pode agradecer, que, sendo o membro mais velho, era também o que aparentava menos resistência ao esforço). Foi uma actuação que viveu de momentos, tendo o auge sido o princípio e o fim. Jumpin’ Jack Flash serve de arranque, recebida num clima de grande euforia, seguida pouco depois por um momento de luxo. Só quando os astros se voltarem a alinhar, se volta a repetir: eis que Bruce Springsteen surge para tocar Tumbling Dice. Uma cartada demasiado valiosa para ter sido jogada tão cedo dado que, depois disto, ainda se seguiria hora e meia de concerto de onde se poderiam ter esperado mais argumentos. Apesar do ambiente ter esmorecido a partir deste ponto, houve ainda espaço para Keith Richards, no seu estado de eloquência permanente que o leva a afirmar que adora estar ali, tal como adora estar em qualquer outro lugar, ter proporcionado dois bonitos momentos com You Got the Silver e Can’t Be Seen conduzidas na sua voz.
Curiosamente, o concerto voltou a aquecer com as projecções cheias de fogo que acompanharam Gimme Shelter. A partir daí, veio o que se esperava desde início: Sympathy for the Devil e Brown Sugar a fechar, antes de um encore para tocar dois dos hinos que ficarão para sempre: You Can’t Always Get What You Want (aquela verdade absoluta, dizem) e, finalmente, (I Can’t Get No) Satisfaction.
Neste dia chuvoso fica a sensação que algo poderia ter sido mais, apesar das opiniões sobre o concerto dos Stones não reunir consenso. Tenha-se gostado ou não, é um privilégio poder estar perto de mestres cujo trabalho ficará para sempre.