
NOS Alive’14 – 3º dia (12/07/2014)
Texto por Cláudia Filipe / Fotos por Hugo Rodrigues
Depois de dois dias mornos (musicalmente falando) no terceiro dia as coisas mudaram. Inverteram-se os papéis: os termómetros desceram, dando lugar ao vento que levantou poeira, mas finalmente viram-se concertos daqueles que ainda recordaremos no próximo ano, quando voltarmos a caminhar por entre palcos. Não mais olharemos para o Clubbing sem imaginar que ali se dançou Safri Duo como se fosse 2001. Não voltaremos ao Heineken sem relembrar Adam Granduciel a apresentar Lost In the Dream.
Um dos momentos mais altos do festival aconteceu no sábado às 17h: os Gin Party Soundsystem, vencedores do Live Act que lhes valeu um passaporte não só para o palco Clubbing, como também para orquestrar o funeral do próprio Rui Reininho, partiram tudo. O festão mínimo estava garantido, mas nada poderia prever que se tornaria em algo de tão épico. O mote lançado pelo grupo de amigos é simples: eles dão-nos eurodance, nós damos tudo. Mas se a viagem ao baú de recordações é, por si só, motivo suficiente para pôr os corpos a mexer, tudo foi levado ao extremo quando entram em acção confettis, pistolas de água, comboios ao som de Night Train, histerismo colectivo com a This Charming Man, o Alex D’Alva Teixeira como convidado especial com a sua energia contagiante, zero pretensões e muito amor ao que se faz. O resultado foi simples: uma tenda que encheu de curiosos a uma hora tão precoce e muito suor a escorrer dos corpos por tudo o que se dançou. Apesar dos apelos, só não se tirou a roupa porque parecia mal. Só lhes falhou uma coisa: mereciam outro horário e nada menos do que festão pela noite dentro. Mas muito amor para estes rapazes de camisas às flores que encheram de vida todos os que por ali passaram.
O Palco NOS abriu com os talentosos You Can’t Win, Charlie Brown, uma das bandas do momento que lançaram este ano o seu segundo longa duração Diffraction/Refraction. Aliás, 2014 corre-lhes de feição: estão melhores do que nunca e o número de seguidores não param de aumentar, mas a humildade com que encaram um palco grande como este ou uma sala pequena como outra qualquer é exactamente a mesma. As suas canções cativam por si só, basta que haja disposição para as apreciar. As harmonias vocais aliadas aos arranjos cuidados são uma combinação irresistível e é assim que nos deixamos levar por canções como After December ou Green Grass.
Depois de três aclamados concertos em Portugal em Janeiro, Cass McCombs trouxe ao palco Heineken canções do seu mais recente trabalho Big Wheel and Others. A curiosidade centrava-se em ver como é que a folk do cantautor se adaptaria a um espaço grande, mas a versatilidade do seu trabalho permite-lhe arrebatar seja qual for a situação. O equilíbrio foi perfeito entre ritmos mais quentes de temas como Name Written in Water ou baladas como Morning Star.
Devido a alguns problemas técnicos, foi só à segunda tentativa que os The War on Drugs conseguiram arrancar com An Ocean In Between the Waves, tema de Lost in the Dream, o mais recente trabalho da banda liderada por Adam Granduciel, e que é também um dos registos mais marcantes deste ano. O referido álbum, em que a banda se supera, foi também o centro da sua actuação (com excepção para Baby Missiles, o único tema tocado que não faz parte do já mencionado trabalho). Foi uma actuação irrepreensível, onde músicas como Red Eyes ou Under the Pressure não se limitaram a ser reproduzidas, mas sim melhoradas ao ponto de terem sido, provavelmente, os responsáveis pelo melhor concerto que se viu nesta edição do NOS Alive. Comparações à parte (e evitando cair nos lugares comuns das cópias de Dire Straits ou Bruce Springsteen), não há muito mais bandas capazes de entregar a beleza das composições aliada à qualidade técnica com que estão. E se há alguém que, neste momento, merece reconhecimento mundial, esse alguém são os The War On Drugs.
O Palco Heineken continuou a sua cruzada para se tornar o palco mais relevante deste dia. A tenda voltou a encher para ouvir o psicadelismo dos Unknown Mortal Orchestra, pela primeira vez em Lisboa depois de paragens por Paredes de Coura e pelo Porto. Foi ao som de The Opposite of Afternoon que começaram o concerto, mas foi com So Good At Being in Trouble que se ouviu uma das maiores ovações da noite. O colectivo de Ruban Nielson viajou ainda pelos trilhos do lo-fi ao recuperar From the Sun, e foram também responsáveis por um dos grandes momentos da noite.
The Libertines pareciam, à partida, uma carta fora do baralho. Da reminiscência do brit rock do início dos 00, surge a tour que volta a unir o menino rebelde Pete Doherty e Carl Barat. Uma banda que, em Portugal, sempre pecou pela falta de adesão apesar da explosão de bandas que por essa altura surgiu. Não foi por isso de admirar a fraca afluência do público ao concerto, que preferiu ficar a ver Daughter ou os Jungle.
Apesar de tudo, se houve algum concerto próximo de dignificar o estatuto de “cabeça de cartaz” durante esta edição do Alive, a culpa foi dos Libertines: não são perfeitos e a falta de sobriedade leva-os a dar demasiadas notas ao lado. Mas quem é que quer ver meninos de coro, afinal? What Katie Did, Can’t Stand Me Now e Last Post on the Bugle foram alguns dos clássicos que se ouviram num concerto que não pecou pela falta de atitude da banda (muito pelo contrário, já tanto Barat como Doherty mostram estar novamente unidos), mas cuja falta aparente de adesão do público não deixa os ânimos aquecerem tal como deviam.
Não foi por isso de admirar que nem mais uma alma coubesse no palco Heineken à hora do início do concerto de Chet Faker: um dos meninos bonitos da electrónica é um sedutor nato, dono de uma voz inconfundível e arranjos algo lascivos. Veio apresentar o seu primeira longa duração, Built on Glass, cheio de canções quentes. Veja-se o caso de Talk Is Cheap, por exemplo, música com que terminou a sua arrebatadora actuação.
Missão cumprida em mais uma edição do NOS Alive, que já tem presença marcada para 2015. E ainda bem, que já não saberíamos o que fazer ao Verão sem a habitual romaria ao Passeio Marítimo de Algés.