Top 10 de 2014 por Edite Queiroz

Top 10 de 2014 por Edite Queiroz

Tanto (bom) cinema e tão pouco tempo. É o pensamento que sempre me ocorre ao tentar pensar nos melhores filmes do ano e em tudo o que injustamente ficará de fora deste top. Mas foi decerto um ano de grandes filmes, embora a maioria tenha entrado directamente para a minha longa lista de coisas-para-ver. As grandes amarguras de 2014 são apenas duas: a impossibilidade de considerar aqui o filme do Woody Allen (Magic in the moonlight é delicioso, mas lamentavelmente não se qualifica nos dez melhores) e a impossibilidade de considerar aqui o filme do Tim Burton (Big eyes não estreará por cá tão cedo – e, por isso, figurará, com toda a certeza, no meu top ten do próximo ano). Uma vez mais se comprova que o melhor realizador de um filme é quase sempre o seu argumentista. Os melhores do ano são:

#10 August: Osage county

#10 August Osage county

Uma adaptação de Tracy Letts da peça homónima da sua autoria, August: Osage county, realizado por John Wells, reune um elenco recheado de estrelas (Julia Roberts, Ewan MGegor, Chris Cooper, Juliette Lewis, Abigail Breslin) e confirma Meryl Streep como a actriz da sua geração. O filme – um drama familiar intenso e muitíssimo bem interpretado – é sobretudo um festival de talento dos seus protagonistas, conseguindo a proeza de fazer sentir que estamos sentados à mesa com aquela família – que poderia ser a família de qualquer um de nós. É apenas lamentável que Juliette Lewis pareça condenada a papéis de femme fatale com baixo coeficiente de inteligência.

#9 Dabba

#9 Dabba

Da Índia chegou-nos um melodrama com um toque documental particularmente distinto do tradicional universo de Bollywood: No lugar das cores extravagantes e da música tão característica encontramos, na primeira longa-metragem de Ritesh Batra, qualquer coisa que lembra os romances clássicos da época dourada de Hollywood. Em pano de fundo, uma realidade muito particular: o trabalho diário dos dabbawallahs, uma comunidade de 5000 homens que diariamente transporta em bicicletas centenas de marmitas na labiríntica paisagem urbana Bombaim – um sistema considerado pela Universidade de Harvard como praticamente infalível. O romance entre Saajan e Ila evolui a partir do erro improvável: uma lancheira vai parar às mãos erradas. Dabba conta uma história simples que se desenrola num contexto cultural e socioeconómico muito específico, mostrando uma vez mais que dramas humanos como o isolamento, a frustração, a velhice e a procura do amor pleno são os mesmos em qualquer parte do mundo.

#8 Alentejo, Alentejo

#8 Alentejo, Alentejo

A viagem ao Alentejo de Sérgio Tréfaut, vencedora do prémio para Melhor Filme Português no IndieLisboa 2014, analisa as origens do Cante Alentejano, a forma como se manteve ao longo do tempo e a sua fortíssima expressão nos nossos dias, onde a prática do cante se estendeu às mulheres e às crianças e extravasou os limites da região que o viu nascer. Um documentário essencialmente feito de música e de imagens, que será um dos mais importantes documentos de um costume que é agora património cultural e imaterial da Humanidade.

#7 Maps to the stars

#7 Maps to the stars

A viagem de David Cronenberg ao (sub)mundo de Hollywood, arrojada, irónica e poluída, entrega uma vez mais uma peça de cinema surpreendente, com um elenco de luxo, que uma vez mais inclui Robert Pattinson, a quase sinistra Mia Wasikowska (a Alice que Tim Burton descobriu) e Julianne Moore na sua melhor forma. Mais do que uma sátira, Maps to the stars pode ser visto como uma súmula muito negra dos meandros do mundo do espectáculo, onde há lugar para a ascensão e a decadência (a personagem de Moore tem qualquer coisa de Norma Desmond contemporânea), a superficialidade, a corrupção, o crime, a dependência, a psicanálise, o incesto – e, como não poderia deixar de ser, a deficiência física como metáfora para a degradação do espírito – um dos selos do cinema de Cronenberg.

#6 The disappearance of Eleanor Rigby

#6 The disappearance of Eleanor Rigby

À semelhança de The broken circle breakdown, The disappearance of Eleanor Rigby relata uma história de amor com um final pouco feliz, mas distingue-se do primeiro pelo ritmo e a subtileza com que os dramas do casal são desvendados e por um enquadramento socio-económico muito específico que, se por um lado dificulta a identificação do espectador com as dores dos protagonistas, por outro lado evidencia a universalidade das emoções associadas ao tema que trata. A primeira obra de Ned Benson foi, a par de Boyhood (de Richard Linklater), uma das grandes ideias do ano. Neste caso, o realizador converteu o projecto num tríptico, em que cada um dos filmes enfoca uma perspectiva: A dele (James McAvoy), a dela (Jessica Chastain) e a do Observador (a única que até ao momento estreou em Portugal). Um filme de poucas palavras, sensível e muito bonito, que confirma a sua protagonista, Jessica Chastain, como uma das actrizes mais talentosas da sua geração – e afirma o seu realizador e argumentista como uma grande promessa.

#5 Jeune et jolie

#5 Jeune et jolie

Primeiro filme de Marine Vacth como protagonista, Jeune et Jolie acompanha a personagem de Isabelle ao longo de um período conturbado (a narrativa divide-se em quatro momentos, distribuídos pelas quatro estações). François Ozon escreveu e realizou um drama íntimo debruçado no mundo interior de uma garota de 17 anos, muito bonita, mas tímida e isolada, que se converte numa prostituta de luxo. As comparações com Shame, de Steve McQueen, serão inevitáveis, mas se a exploração do tema é aqui menos angustiante, é também menos óbvia. A sexualidade não é propriamente tratada como um problema ou uma dependência, mas antes como  uma forma de alienação.

#4 La grande bellezza

#4 La grande bellezza

O filme escrito e realizado por Paolo Sorrentino, vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano passado, é uma obra cáustica e bem humorada, pautada por excessos de natureza variada – visuais,  narrativos e filosóficos – que acompanha a deambulação, física mas sobretudo interior, de um intelectual de meia-idade perdido numa encruzilhada existencial. Através da personagem de Jep (protagonizado pelo fabuloso Tonni Servillo), um hedonista em decadência para quem a beleza (das mulheres, das flores, das obras de arte, da arquitectura grandiosa e ancestral da cidade de Roma) funciona como o antídoto para uma existência desenganada, o filme oferece uma reflexão tragico-cómica sobre uma certa burguesia e suas frivolidades, mas é também uma carta de amor à Cidade Eterna, temperada com uma banda-sonora incrível, lindíssimos planos-sequência, retratos e imagens impactantes e um toque de surrealismo. Um filme assim só podia chamar-se La Grande Bellezza.

#3 The broken circle breakdown

#3 The broken circle breakdown

Veio da Bélgica pela mão de Felix Van Groeningen (o realizador é também responsável pela adaptação da peça homónima de Johan Heldenbergh e Mieke Dobbels) e trouxe-nos uma história emocionalmente devastadora narrada à boleia e ao som do bluegrass. Somos apresentados a  Didier Bontinck (Johan Heldenbergh) e Elise Vandevelde (Veerle Baetens), um par de músicos apaixonados pela cultura americana cuja história de amor culmina no drama maior de qualquer casal: a morte de um filho. The broken circle breakdown é um filme sobre o amor, sobre a maternidade e a paternidade, sobre a fé e o ateísmo, mas sobretudo sobre a perda e o luto, um drama familiar universal. Com uma estrutura pouco convencional (a música é quase uma personagem) e com um desempenho absolutamente memorável do casal protagonista, foi no ano passado um dos nomeados para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.

#2 E agora? Lembra-me

#2 E agora Lembra-me

Uma vez mais afirmo: O filme de Joaquim Pinto não cabe neste campeonato – mas coube duas vezes neste top, que já integrou no ano passado (por ter estreado no DocLisboa 2013). A estreia em circuito comercial em 2014 só confirmou o que já toda a gente sabia: É um filme único. Nesta short-list representa o melhor do documentário, o melhor do que se fez em Portugal e o melhor do cinema que não se explica – é muito difícil falar da experiência de ver este filme, mas não resisto a reproduzir as palavras com que fechei o texto que lhe dediquei:  E agora? Lembra-me é um tributo à dádiva da vida que nos recorda do tanto que, todos os dias, nos esquecemos de agradecer.

#1 Her

#1 Her

Qual Interstellar, qual quê. Um filme de ficção científica que, mais do que projectar-nos no futuro, nos esfrega na cara, de uma forma desconcertante, um amanhã pouco distante e demasiado provável. A fantasia não tão futurista quanto isso de Spike Jonze (aprendiz dedicado de Charlie Kaufman) pode ser vista de muitos prismas, tal a riqueza do seu argumento (um delírio vanguardista, um retrato da triste realidade de um futuro próximo, uma hipérbole para a solidão no mundo contemporâneo, uma metáfora para o poder transformador dos afectos), mas é sobretudo um filme comovente, lindíssimo, com uma fotografia perfeita, uma banda-sonora deliciosa e, à cabeça do parco elenco, o melhor actor da sua geração: Joaquin Phoenix. Ingredientes mais do que suficientes para fazer de Her o melhor filme do ano.

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