Entrevista com Russian Circles
Acompanhados pelos Helms Alee, os Russian Circles visitam-nos a 16 de Abril, em Lisboa, para um concerto no RCA Club. Conversámos com o baixista Brian Cook.
Já perdemos a conta às vezes que tocaram em Portugal – a última foi no Amplifest -, e mesmo assim continuam a encher salas por estes lados. Que me dizes da vossa relação com Portugal?
Vir a Portugal é sempre espectacular. Tivemos a sorte de tocar aí pela primeira vez quando andávamos em tour com os These Arms Are Snakes e eles já eram amigos do pessoal de Lisboa, a malta dos If Lucy Fell e dos Riding Pânico, por isso sentimo-nos muito bem acolhidos logo desde o início. Todos os concertos no Porto foram agenciados pelo nosso amigo André (Amplificasom), o que também fez com que tocar em Portugal fosse uma experiência muito agradável. O público aí tem sido muito leal e apoia-nos imenso. Além disso, adoro passear nessas cidades; não há outro lugar na Terra que se lhes compare.
Por um lado, o post-rock, ou post-metal, ou o que lhe quiseres chamar, parece ser um género onde as possibilidades são ilimitadas. No entanto, parece que algo que há meia-dúzia de anos estava no auge apresenta agora evidentes sinais de cansaço. Excepto dois ou três dinossauros, a maior parte das bandas de post-rock parece estar amarrada à velha fórmula das dicotomias calmo/pesado, terminando com um crescendo épico, e não é capaz de evoluir e desenvolver novas linguagens. Como é que os Russian Circles se lembraram de fazer um disco tão inovador e desafiante como Memorial? É sem dúvida uma nova página na história do género, seja ele qual for. Aconteceu simplesmente, ou foi algo consciente e premeditado?
Ah, bolas… obrigado pelos elogios ao Memorial. Fico muito lisonjeado. Já disse isto uma vez, mas repito-o: não acredito que o post-rock ou o post-metal, por si só, sejam uma scene. Ou se são, não fazemos parte dela. Compreendo que em termos de sonoridade nos possamos incluir na categoria do ‘post-coisas’, mas para mim uma scene tem muito mais a ver com uma comunidade onde podes interagir com outras pessoas e apoiar artistas com os quais te identificas. Por exemplo, se tocas numa banda straight-edge, acabas por ir a concertos de outras bandas straight-edge, fazes digressões com bandas straight-edge, vestes t-shirts de bandas straight-edge. E não é isso que se passa com o ‘post-coisas’. Nós não estamos, de todo, ligados a isso. Andámos em tour com bandas como Helms Alee, Chelsea Wolfe, Young Widows, Deafheaven, Mutoid Man, Inter Arma, e KEN Mode. Esses são os nossos pares. É mais provável irmos ver uma banda como os Power Trip do que propriamente uma banda de post-rock. Somos amigos da malta dos Pelican e dos This Will Destroy You, e estou certo de que todos temos alguns discos dos Mogwai e dos Slint lá em casa, mas geralmente não optamos por fazer digressões com bandas que andam à volta da fórmula de que falaste. Isto tudo para dizer que não estávamos a tentar romper coisa nenhuma quando escrevemos o Memorial. Julgo que estávamos apenas a fazer música baseada naquilo que nos inspira, e grande parte do que é feito no mundo do post-rock não nos inspira.
Não só no que respeita à composição mas acima de tudo à produção, o Memorial parece ir mais longe do que os vossos trabalhos anteriores. Foi algo que procuraram aquando do processo de gravação?
Os nossos discos foram todos gravados em circunstâncias diferentes. No Empros sabíamos que íamos gravar num estúdio onde provavelmente não conseguiríamos um som tão bom como conseguimos no Geneva, o que só nos deixou motivados para experimentar gravar um disco com uma sonoridade ligeiramente mais suja. Tivemos algum tempo para brincar com os pedais e com toda a produção, por isso, mesmo que não tenhamos conseguido aquele som de bombo que tínhamos no Geneva, ou uma distorção tão porreira no baixo, tivemos tempo para fazer um disco mais estranho e interessante. Para gravar o Memorial voltámos ao estúdio onde tínhamos gravado o Geneva para podermos ter um som mais natural. Tivemos tempo para dar asas à experimentação, como aconteceu com o Empros, e como já tínhamos a estrutura do Memorial bem estudada quando lá chegámos acabámos por ter imenso tempo para explorar diferentes tons de guitarra e baixo. Fizemos uma data de overdubs e acabámos por limar muitas arestas àquilo que tínhamos composto. Contrariamente à ideia de fazer um disco a pensar na forma como as canções vão soar ao vivo, no Memorial demos uma maior ênfase àquilo que podíamos fazer no estúdio.
Se não estou em erro foi o primeiro disco em que usaste o Moog Taurus. Dá a sensação que o sintetizador torna tudo muito mais denso. É a mesma geringonça que os Mastodon usaram no Crack the Skye?
Na verdade, comprámos o Taurus para que pudéssemos tocar a “Schiphol”, do Empros, ao vivo. Assim que comprei e comecei a carregar este equipamento enorme de um lado para o outro, percebi que devia usá-lo para escrever material novo – para justificar a compra. Sem dúvida nenhuma que o Taurus ajuda a fazer com que tudo soe mais denso. Também ajuda a preencher as frequências mais graves quando eu troco o baixo pela guitarra barítono. E ainda, ajuda-me a realizar a fantasia de estar numa banda de rock progressivo como os Rush ou os Genesis. Não vejo os Mastodon ao vivo desde os tempos do Blood Mountain, por isso não te sei dizer que tipo de sintetizadores é que o Troy tem usado.
Já tinham escrito uma música com voz, a “Praised Be Man”. Com o Memorial voltaram a experimentar introduzir voz na vossa música, desta vez recorrendo a uma colaboradora externa, a Chelsea Wolfe. Ter voz na vossa música, ainda que apenas esporadicamente é algo que sempre esteve nos planos? Podemos contar com mais colaborações destas no futuro? E, já agora, porquê a Chelsea Wolfe?
Somos uma banda instrumental apenas porque parece-nos que incluir voz nas nossas músicas é algo complicado. É tão mais fácil trabalhar sem um vocalista: não tens de levar com o feedback das colunas dele, ninguém entra em pânico se ele ficar afónico, não tens de explicar as letras às pessoas, não há ninguém a correr de um lado para o outro no palco a pisar os meus cabos e a derrubar a minha cerveja. Mas, obviamente, ter voz de vez em quando pode ser espectacular. Andámos em tour com a Chelsea quando estávamos a promover o Empros e demo-nos mesmo muito bem. Somos artistas diferentes mas jogamos com atmosferas semelhantes, por isso a possibilidade de colaborarmos fazia todo o sentido. Talvez voltemos a fazer uma faixa com voz, mas por enquanto estamos mais do que felizes a comunicar as nossas ideias apenas com instrumentos.
Os ISIS terminaram a carreira a dizer ‘Simply put, ISIS has done everything we wanted to do, said everything we wanted to say’. No documentário Blood Sweat + Vinyl ouvimos o Aaron Turner a dizer algo como ‘Para nós, repetirmo-nos seria um fracasso’. Receias repetir-te ou chegar a um ponto de estagnação?
Julgo que por vezes as bandas agarram-se a uma fórmula e depois têm dificuldade em libertar-se dela. Já me aconteceu. Foi uma das razões por detrás do fim de algumas bandas em que estive. É muito mais recompensador fazer música que nos surge como uma espécie de descoberta. No entanto, julgo que não há nada de errado em conheceres as tuas limitações e manteres-te dentro de um certo registo que foste aperfeiçoando ao longo do tempo. Mas percebo perfeitamente que uma banda se possa sentir frustrada ao perceber que já não faz as coisas com a mesma pica com que em tempos criou algo novo e inesperado. A música deve ser um “despertar”.
Sei que vocês têm o público em conta quando escolhem as set lists, fazendo por tocarem não só as malhas novas mas também os ‘clássicos’. Nem todas as bandas o fazem, ou pelo menos não o admitem. E se de repente vos apetece-se tocar versões black metal das vossas músicas, ou fazer um concerto acústico ou … outra coisa qualquer?
É mais divertido tocar para um público que está no mesmo comprimento de onda que nós, por isso gostamos de incluir material com o qual o público já está familiarizado. Respeito as histórias de bandas como os Husker Du, que saíam em tour para tocar apenas músicas novas, inéditas, depois voltavam e gravavam o disco, e depois voltavam a sair em tour para tocar apenas música que o pessoal ainda não tinha ouvido. Mas eu gosto de ver o pessoal excitado nos nossos concertos quando começamos a tocar uma música que as pessoas já conhecem bem. O entusiasmo deles entusiasma-me, e todo o concerto corre melhor. Além disso, é muito agradável misturar músicas antigas, com as quais já estamos mais do que confortáveis, com malhas novas que ainda mal sabemos tocar ao vivo. Demasiadas canções antigas e aborrecemo-nos, demasiadas canções novas e temos um esgotamento nervoso.
Sei que gostas de ler quando estás em tour, que livros trazes na mala?
Terminei agora mesmo o segundo volume de “A Minha Luta”, de Karl Ove Knausgaard. Estou tentado a ir dar uma volta e comprar o terceiro. Mas geralmente tento evitar coisas pesadas e muito literárias, se é que me entendes, quando ando em tour. É complicado manter-me concentrado com tudo o que se passa à minha volta quando andamos de um lado para o outro. Posto isto, meti na mochila o “Cadernos do Submundo” do Dostoiévski e um livro sobre as estratégias políticas do Japão durante a Segunda Guerra Mundial – pelos vistos desta vez não optei por coisas leves. Talvez compre um Fifty Shades of Grey ou uns Harry Potter para equilibrar a coisa.
Quanto aos Russian Circles, o que se segue? O Memorial já cá anda há quase dois anos, podemos contar com novidades para breve ou nem por isso?
Vamos estar a trabalhar num disco novo durante o Outono, com sorte está cá fora na Primavera do próximo ano.
Entrevista por Ricardo Almeida