
Beach House no Armazém F (23/11/2015)
Se por um lado temos artistas que necessitam de publicidade em doses generosas para promover um concerto ou um novo álbum, por outro temos os Beach House que, de forma discreta, esgotaram num ápice as duas datas reservadas para Lisboa e Porto, em salas que já se adivinhavam pequenas para a legião, também discreta, de fãs que os segue por cá. E isto não se deve a nenhum histerismo cego momentâneo (recordemos os dois coliseus esgotados de Chet Faker neste ano), deve-se sim à sonoridade consistente que os Beach House têm seguido, numa carreira sólida, onde o maior tumulto terá sido o recente lançamento de dois álbuns num espaço de dois meses, Depression Cherry em agosto e Thank Your Lucky Stars em outubro.
Ainda a recuperar fôlego destes dois álbuns em tão pouco tempo estariam anteontem, na fila que circundava o Armazém F em Lisboa, vários fãs a perguntar-se como tudo iria encaixar ao vivo com os (obrigatórios) temas mais antigos. Ao bisbilhotar conversas alheias percebia-se que havia também quem desconhecesse a existência de um sucessor de Depression Cherry, mas no geral a expectativa estava elevada, o que ajudou a superar a espera fria e demorada para entrar na sala, resultado de uma apertada segurança à entrada, possivelmente repercussão dos recentes atentados em Paris.
Este atraso privou alguns de assistirem por completo a uma das melhores surpresas que os Beach House trouxeram consigo para esta digressão, o havaiano Dustin Wong, guitarrista dos Ponytail, que durante meia hora arrancou à sua guitarra uma cacofonia bizarra de sons dissonantes, entrelaçados harmonicamente em loops com o pedal de guitarra e com algumas vocalizações ocasionais. Tímido e completamente absorvido na sua arte até se surpreendeu com o aplauso do público português, onde seguramente encontrou novos fãs.
Quando os Beach House entraram em palco a atmosfera sonhadora já se encontrava instalada. Um palco sem adornos, com uma iluminação tão fraca que mal nos deixava ver Victoria Legrand, perdida no seu mundo interior atrás da cortina do seu longo cabelo, ou Alex Scally no dedilhar da sua guitarra. À excepção de algumas projeções e de uma matriz de luzes que por vezes nos ofereceu um bonito efeito visual e até nos recordou a singela capa de Bloom, a noite seria feita a meia luz, ainda assim insuficiente para Victoria que por duas vezes pediu que desligassem uma inconveniente luz ao fundo da sala, com algum humor e com o apoio do público.
“Levitation”, que abre Depression Cherry, deu também início à noite, reafirmando-se ao vivo como umas das melhores faixas dos recentes trabalhos da banda. Há algo de reconfortante no tom grave e docemente áspero da voz de Victoria quando nos canta “there’s a place I want to take you”, torna-se fácil confiar na existência desse local místico e levitar até lá. O bucólico Depression Cherry acabaria por dominar o alinhamento da noite com seis temas, onde surpreenderam ao vivo a energia vibrante de “Space Song”, a desarmantemente bela “Beyond Love” e a intrigante “Sparks”, que fez Victoria derramar a sua longa cabeleira sobre os teclados em êxtase e que nos levaria até ao encore na sua equilibrada dissonância, deixando a promessa de que os Beach House também podem correr riscos e experimentar diferentes sonoridades sem comprometer a sua essência.
Para além dos recentes Depression Cherry e Thank Your Lucky Stars, também Teen Dream e Bloom teriam direito a algumas das faixas mais queridas pelos fãs, conseguindo as maiores ovações para “Walk In The Park”, “Silver Soul”, “Myth” e “10 Mile Stereo”. Mas se alguém ontem caísse de pára-quedas no Armazém F, sem conhecer uma única música do duo de Baltimore, teria dificuldades em identificar diferenças entre as várias fases do seu percurso. A fluidez com que as faixas dos vários álbuns se cruzam fazem dos Beach House uma das bandas mais homogéneas que conhecemos, aos quais podemos recorrer sabendo exactamente o que procuramos e o que precisamos. O momento mais intimista da noite ficaria guardado para “Saltwater”, a primeira música gravada pelo duo, como recorda Victoria, em que o baterista e baixista de apoio da digressão deixam os dois sós em palco entregues aos teclados fantasmagóricos desta profunda melancolia já esquecida.
Nenhum dos dois é particularmente falador, mas foram várias as declarações de amor a Portugal e já quase no final da noite recordaram como Lisboa os acolheu calorosamente pela primeira vez em 2008 no Cabaret Maxime, com “200 pessoas” face aos públicos de “10 pessoas” que tinham encontrado pelo resto da europa. Prometem regressar e na próxima vez para uma sala como “os seus fãs merecem”, onde os possamos “ver” e “ouvir” em condições. “Ver” suspeitamos que será complicado, já que conhecemos bem a predilecção do duo pela atmosfera de penumbra e até lhes agradecemos a oportunidade de nos fazer despertar os outros sentidos. Quanto a “ouvir” esperamos bem numa próxima encontrá-los numa sala com uma acústica digna de todos os detalhes precisos e preciosos das suas canções etéreas, enquanto para já nos despedimos ao som da muito pedida “Irene”, que deixa consigo o rasto de um sonho inacabado.