
Vodafone Mexefest – 1º dia (27/11/2015)
Fotos por Hugo Rodrigues
Quando muito se fala sobre uma certa manchete de um jornal sensacionalista, sejamos claros: a primeira noite do Mexefest foi de dois negros. Foram eles a pedrada do charco num dia de festival com poucos nomes fortes. E, dentro do que se pode chamar de música negra (que pode ser tudo e nada ao mesmo tempo), dificilmente podiam ser mais diferentes.
Este foi um roteiro possível. O Mexefest é isto: fazer e refazer opções. Subir e descer a Avenida da Liberdade, entre o Tivoli / São Jorge e o Coliseu. Se antes os nomes mais sonantes se concentravam nos dois primeiros espaços, a entrada do Coliseu em 2013 permitiu um conforto e um aproveitamento do festival bem melhores. Ainda há filas, mas não com a dimensão de outrora. E é mais raro alguém esperar em vão, como aconteceu, nos primeiros anos, com James Blake, Alt-J, Django Django ou Efterklang.
Início de noite na Sociedade de Geografia de Lisboa. A música dos Dead Combo já não tem fronteiras. Mas há Tó Trips para lá da banda mãe. Em dupla com Filho da Mãe (que, curiosamente, passou por este espaço há uns anos). Ou em nome próprio, como esteve no Mexefest. Acompanhado de um percussionista, as guitarras viajam entre a melancolia portuguesa e uns vestígios africanos. O que se perde em qualidade acústica do espaço, ganha-se em beleza cénica. E arrancámos de forma simpática.
Salto até à Estação do Rossio. A meio do concerto, Akua Naru pede vénias para os fãs de hip-hop e do jazz. É possível não gostarmos de nenhum dos dois e sermos encantados pela performance da norte-americana com origens ganesas. Ou pelo menos não gostando de certas modernices brutas do hip-hop ou daquele jazz improvisado com zero de sentimento. Porque isto não é nada disso. É uma mistura de funk, soul, jazz emotivo, spoken word e hip-hop old-school. Com uma banda estrondosa que marca mesmo nos momentos em que Naru não aparece. Foi assim naquele arranque instrumental de saxofone. Ou no início da versão de “Feeling Good”, de Nina Simone. Depois… bem, depois Akua Naru é uma intérprete notável e uma mobilizadora de massas fortíssima. O som não teve a limpidez do belíssimo concerto do FMM Sines 2013. Pareceu abafado, por vezes numa massa demasiado compacta, sem ouvirmos devidamente os vários instrumentos. Seja como for, um dos momentos da noite.
Ver um pouco de LA Priest implica sair a meio do concerto de Akua Naru. Uma opção difícil, convenhamos. E para apanhar apenas os últimos dois temas. Com público em debandada, assistimos a uma pequena experiência de som, com objectivo de gravar vozes do público. Isto em pleno one man show de performance e maquinaria. Muitas cadeiras vazias, num Tivoli a meio gás, compõem um cenário desolador e desajustado para este electro-funk pouco orgânico, mas muito sensual. Ouvimos vários comentários positivos ao que estava para trás, mas fica a memória do público a sair e as luzes a ligar ao som de um ritmo bem gingão e dançável. Cenário estranho.
Se a debandada de LA Priest foi para Chairlift, há-de haver muitos arrependidos. Ao segundo tema, o baterista agradece ao público fantástico. A sério? O que vemos é uma plateia em letargia ou pura incompreensão do que se passa em palco. Os Chairlift são essencialmente sintetizadores e a voz de Caroline Polachek. Esta é electro-pop que, em breves instantes e tentados por uma dose elevada de exagero, se aproximaria de uma Taylor Swift desta vida. Não aproxima, mas faz-de-conta. Podia ser parolo e a voz etérea de festival da canção cumpre os requisitos. Só que é só isso. Que é feito dos sintetizadores? Não se ouvem. Apenas voz e uma percussão descontrolada, num som manifestamente baixo. Como se uma das colunas estivesse desligada e só ouvíssemos metade do que é tocado em palco. Solução: dar o fora antes que o sono se apodere de nós.
No ping-pong com o Coliseu, toca de subir a Avenida da Liberdade para voltar ao Tivoli. Tempo de ouvir Matt Mondanile. Não com os Real Estate, mas com Ducktails. Não são, de todo, banda de festival. Ou, quanto muito, seriam banda para ouvir num final de tarde a desfrutar de uma relva de Paredes de Coura. Com calma e não no ritmo imparável de um Mexefest. Sem o peso das guitarras que tanto preenchem os Real Estate, nos Ducktails há mais teclados. A música é um pouco mais atmosférica e com menos ganchos pop. É o que é. Sem grande entusiasmo e agradável qb.
Corações ao alto. Um nome: Benjamin Clementine. Um momento: no final de um dos temas, o público começa a trautear o que tinha acabado de ouvir. Fá-lo durante largos segundos e, julgamos, de forma espontânea. Benjamin e o baterista levantam-se e agradecem. Concerto suspenso. Coliseu suspenso. E público e músicos numa sintonia rara. Muito rara. Não há como definir Benjamin. Anda entre a soul, o minimalismo ao piano e o crooner improvável (e num sentido improvável). Mas não há rótulos que caibam aqui. E há a voz. A voz inexplicável. Quase sobre-humana, até pequenas (muito pequenas) desafinações a trazerem para o mundo dos mortais. Se havia suspeita que o coliseu fosse grande de mais para a beleza arrebatadora da música de Benjamin Clementine (como aconteceu há dois anos com Daughter), ela dissipa-se. Porque é música das entranhas para as entranhas. E, para ela, não há limites. Há magia tanto no lado mais ritmado de “Nemesis” como na maior melancolia de “I Won’t Complain”. Não houve, como no SBSR, uma violoncelista. Apenas um baterista. Um extraordinário baterista, ocupando com mestria as pequenas brechas que ficam por preencher. No final, público rendido e encantado. E uma certeza: Benjamin Clementine junta-se a James Blake ou Woodkid como um dos momentos mais memoráveis de sempre do Mexefest.