
Steve Jobs
Existem várias vertentes por onde olhar para este Steve Jobs, que não se limitam em termos formais naquele que é, a par de Christian Bale, o melhor actor da actualidade, Michael Fassbender, no inteligente e sagaz realizador Danny Boyle, e no exímio argumentista Aaron Sorkin.
Steve Jobs, o homem, tornou-se uma espécie de estrela pop do mundo ambicioso e visionário da programação, start-ups e empreendedorismo em geral. Uma espécie de lenda de mérito questionável que fundou a Apple que tantos iPhones e Macs tem vendido como se se tratassem de relógios Rolex. Tem o seu prestígio e o facto de ter morrido novo dá de facto espaço para que se explore a sua “lenda”, vá, a sua “história”. Num par de anos tivemos o fraco “Jobs” com Ashton Kutcher (lê aqui a nossa crítica 3/10) e agora a coisa torna-se mais séria com este Steve Jobs. Sobre o filme pouco importa se a adaptação biográfica encaixada em três longos actos que antecedem o lançamento dos três mais importantes projectos da vida de Steve Jobs, o homem, traduz a realidade do que realmente aconteceu na sua vida ou se são apenas um inteligente e prático encaixar de peças com um pano de fundo de grandiosidade de vida ou de morte. E o espectador sente esse peso da atmosfera nos diálogos a que assiste, e que a espaços nada têm que ver com a situação presente, mas o recordar e desenvolver de personagem através de vivências passadas. Com alguns traços biográficos, isto é apenas um filme, mas um filme muito interessante, e mesmo que nada tivesse que ver com a figura do empreendedor seria sempre um portento humano na tela de um filme produzido pelo melhor que existe em Hollywood.
Steve Jobs vive do diálogo soberbamente escrito por Aaron Sorkin, como já havia feito em “The Social Network” de David Fincher. Em ambos os filmes é notório o conservadorismo de uma estrutura narrativa americana clássica de encadeamento de diálogo que desenvolve as personagens ao longo de duas horas que passam a correr. Não há necessidade de grandes truques (aqui ainda são menos que n’“A Rede Social”) e acrobacias para captar o interesse do espectador que se sente satisfeito a ver aquilo que na realidade é apenas uma sucessão de diálogos que pouco se afastam de cenários interiores fechados, passeios por corredores de bastidores (naturais e necessários, nunca se confundam este corredores com o pretensiosismo faminto de Óscar do miserável Iñarritu e do seu ainda mais miserável homem pássaro) e salas de reuniões.
Mas o que seria desses diálogos se não existisse um grupo de talentosos actores liderados por Michael Fassbender, que curiosamente em nada se parece com a personagem que interpreta (e o que raio interessa isso?), Kate Winslet e Jeff Daniels? Fassbender está aí e é o melhor que a indústria do cinema tem para oferecer neste momento. E depois há Danny Boyle, que se está a esforçar para ser a par de Stanley Kubrick o realizador que mais géneros de cinema percorreu. Do drama britânico de “Trainspotting” ao terror de “28 Days Later”, passando pelo Bollywood de “Slumdog Millionaire” ao bucolismo d’”A Praia” e terminando na ficção científica de “Sunshine” e no documentarismo clínico-anatómico de “127 Horas”, Danny Boyle já fez de tudo e quase sempre muito bem. Mas aqui os maiores louros não vão para o realizador. É o argumentista Aaron Sorkin que de facto sustenta um filme aparentemente tão minimalista, mas aprofundadamente tão complexo, por entre metáforas simbólicas de paternalismo e outras que tais que pouco ou nada têm de disparatado ou irreal.