
Top 10 de 2015 por André Ribeiro
Estas selecções de final de ano são, para citar um intelectual do nosso tempo, uma espécie de “faca de dois legumes”: por um lado, permite-nos recordar, com algum ou bastante deleite, todos os momentos artísticos que tivemos o privilégio de absorver; o legume mau – identifiquemo-lo como “alcachofra”, pelo simples facto de nenhum humano com papilas gustativas minimamente sensatas gostar desse bicho do Diabo – é obrigar-nos ao exercício (quase sempre injusto) de restrição desses mesmos momentos, até chegarmos a uma lista de dez. Para simplificar a introspecção e torná-la o mais justa e coerente possível, comecei por dividi-la em cinco categorias: livros, filmes, séries, álbuns e concertos. Por mera coincidência, ou grave obsessão compulsiva, a lista final acabou por ficar com dois representantes de cada categoria. Ei-los:
#10 Catacombe e Then They Flew no Sabotage Club
Boa música, bom vinho, bons amigos e boas conversas; que mais poderá um homem querer? (A Olivia Wilde, responderão alguns, e eu concordarei.) Não foi a primeira nem a segunda vez que assisti a um concerto dos Catacombe e dos Then They Flew – nem será a última, certamente –, mas o prazer de ouvir os seus temas ao vivo dá sempre a sensação de ser uma estreia. Honras sejam feitas a ambas as bandas, por proporcionarem noites de música e de convívio sempre interessantes.
#9 Better Call Saul, de Vince Gilligan e Peter Gould
Muito se questionou acerca dos próximos passos dos criadores de Breaking Bad, se seriam capazes de manter elevada a fasquia neste seu spin-off depois de terem concebido aquela que, muito possivelmente, é a melhor série da história da televisão. Resposta: sim, foram capazes. A primeira temporada de Better Call Saul não só confirmou o génio da dupla e da sua escrita, como as brilhantes actuações que Bob Odenkirk e Jonathan Banks já haviam tido junto de Walter White e companhia.
#8 Senyap (The Look of Silence), de Joshua Oppenheimer
Este “parceiro de crime” do já de si poderoso The Act of Killing é, porventura, um dos trabalhos documentais mais genuinamente aterradores e fascinantes desta década: aterrador, pelas histórias das chacinas da população “comunista” na Indonésia dos anos 60, e pelos relatos de alguns dos líderes dos esquadrões da morte sobre os seus actos; fascinante, pela fotografia deslumbrante ao longo de todo o filme e, sobretudo, pelos momentos emocionalmente intensos, de confronto e troca de olhares, entre Adi e os homens responsáveis pela morte do seu irmão.
#7 All the Light We Cannot See, de Anthony Doerr
Esta foi a primeira vez que li Anthony Doerr, e tenho fortes suspeitas de ter começado pelo seu melhor. Mais: não creio ter lido, nos últimos três anos, uma obra tão consistente e tão genuinamente encantadora como esta. A prosa de All the Light We Cannot See é, de facto, uma coisa “assustadora”, pelas paisagens poéticas incrivelmente lúcidas que pinta, através de metáforas aplicadas de forma cirúrgica e sublime, e pelas descrições capazes de fazer um John Banville roer-se de inveja. E, no que toca ao enredo, permitam-me concluir, arriscando: um Ensaio sobre a Cegueira do século XXI.
#6 Chasing Light, de Rob Fleming
É difícil de imaginar que este álbum independente do músico e produtor norte-americano, Rob Fleming, seja um trabalho de estreia. A sensibilidade e a perícia que revela, de forma consistente, ao longo dos doze temas do disco, onde conjuga elementos electrónicos e cinemáticos com riffs e melodias emotivas da sua guitarra, é algo que está ao alcance de muito poucos. Se acrescentarmos o conceito por trás do álbum e as histórias que cada um dos temas nos conseguem contar, o regalo da experiência, então, torna-se absoluto.
#5 Louie, de Louis C.K.
Que Louis C.K. é um dos ícones da comédia moderna, nomeadamente da comédia de stand-up – isto, em português, ou “semi-português”, soa tão mal –, disso ninguém terá dúvidas. No entanto, em Louie, fomos percebendo aos poucos que Louis C.K. é muito mais do que um comediante excepcional; também o é enquanto argumentista, actor e realizador. A honestidade e (aparente) simplicidade com que retrata a sua vida de pai solteiro, deambulando entre situações mundanas e embaraçosas e acontecimentos verdadeiramente bizarros e surreais, é uma lufada de ar fresco tão grande no conceito tradicional de sitcom que se distancia de tudo o que já se fez em televisão e no humor.
#4 Mono no RCA Club
O concerto do ano, ponto. Não há muito a dizer sobre a banda japonesa e a experiência transcendente que é assistir a um dos seus espectáculos de magia ao vivo; é mesmo daquelas ocasiões de “terias de estar lá para saber do que estou a falar”. A setlist foi quase perfeita – só lá faltou a Dream Odyssey –, as guitarras irrepreensíveis, (as pernas elegantes da Tamaki, acrescentarão alguns, e eu voltarei a concordar,) a atmosfera melancólica e terrivelmente bela a pairar sobre a sala, tudo isto numa noite amena de primavera, em boa companhia. Um aconchego d’alma.
#3 Kis Uykusu (Winter Sleep), de Nuri Bilge Ceylan
Não sei se foi o melhor filme que vi este ano, mas foi, sem sombra de dúvida, o mais honesto e aquele que mais ficou na retina, pela poderosa e íntima meditação dostoievskiana sobre o sentimento de culpa e de remorso, e pelos diálogos expansivos e literários sobre a arte, a moralidade e a religião. Diga-se que é um filme que obriga o espectador a uma predisposição a fim de apreciar o ritmo lento e dramático do enredo e o estudo intenso e pesado do carácter e do compasso moral das personagens ao longo da película – ou seja, não agradará às massas, na sua moderna impaciência –, mas que, no final do dia, vale cada minuto. Existem monumentais actuações, como a de Melisa Sözen – há uma beleza no mistério dos seus olhos capaz de estremecer o íntimo de qualquer pessoa –, mas o grande destaque vai, evidentemente, para Haluk Bilginer, que é imenso no seu papel de homem justo e honesto, cínico e egoísta, asfixiante e misantropo.
#2 Elements, de Ludovico Einaudi
A capacidade de criar narrativas musicais imersivas e tocantes, que nos chegam ao âmago e dilaceram-no de forma tão natural e subtil, é um dom tão especial quanto raro. Ludovico Einaudi tem-no. E o pianista e compositor italiano serve-se dele, mais do que nunca, em Elements: ao longo do disco, as peças emotivas e cinemáticas regalam-nos com autênticas lições de vôo; levam-nos numa viagem tão distante, ao mesmo tempo tão familiar, como se esta pudesse ser a banda sonora de uma vida como a nossa. E talvez o seja.
#1 Our Souls at Night, de Kent Haruf
Este primeiro lugar serve, acima de tudo, de homenagem a um escritor que foi demasiado pouco reconhecido em vida e que, agora, depois do seu desaparecimento no final do ano passado, provavelmente não será aclamado, lido e estudado o suficiente. Our Souls at Night foi o manuscrito que Kent Haruf escreveu imediatamente antes de morrer, e é o zénite da sua obra e da genialidade da sua escrita. Na simplicidade e precisão da sua linguagem – poderosa e profunda, contudo, na maneira como é usada para reflectir sobre as relações humanas e a complexidão do tempo e da memória –, encontram-se momentos e imagens de rara beleza; daquela que só existe em grandes obras e nos grandes autores.