
Foxfire – Raposas de Fogo
Laurent Cantet realizou A Turma em 2008. O filme, que retratava o dia-a-dia de uma escola conturbada, foi Palma de Ouro em Cannes, recebeu grandes elogios e foi exibido como experiência pedagógica em muitas escolas. Foxfire foi o sucessor de A Turma. Estreou em festivais em 2012 e nas salas de muitos países europeus no ano seguinte, mas só agora chegou a Portugal. Pelo que a primeiras palavras deste texto são para a esquizofrenia da distribuição cinematográfica.
Foxfire pouco tem a ver com A Turma. No máximo, os protagonistas são, em ambos os casos, adolescentes à deriva na sociedade que os acolhe (ou “acolhe”). Mas tudo o resto é diferente: a língua, os horizontes geográficos ou o momento temporal. Estamos nos anos 50, numa pequena cidade americana e o filme é inteiramente falado em inglês. Acompanhamos um gang feminino numa sociedade machista. Lembramo-nos de Spring Breakers, mas o retrato aqui é mais sério. E do mais recente Bando de Raparigas, mas Foxfire é bastante mais incisivo e menos sensaborão.
Da pequena e mais básica noção de justiça, estas jovem partem para algo mais, guiadas por Legs, numa surpreendente interpretação da desconhecida Raven Adamson. Há uma aspiração de construir uma sociedade inspirada em ideias comunistas em pleno período da paranóia McCarthista. E é aqui que o idealismo se acaba por debater com algumas contradições. Por um lado, há uma lealdade e uma aspiração de liberdade. Por outro, há imposição, injustiça racial, falta de solidariedade e fecho ao exterior.
É nesse idealismo algo niilista que o filme tem, talvez, uma das suas maiores forças. E, nas origens dessa construção, há uma personagem muito peculiar, a de um padre convertido ao comunismo, que é pena não ter um papel mais forte. Tal como é pena que o filme acabe, em outros momentos, por ceder a um excesso de machismo extremo estereotipado (o caso do professor, por exemplo) ou que se perca no acumulado excessivo de pequenos golpes destas miúdas, que tornam o filme demasiado extenso e pouco acrescentam à construção das personagens
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Seja como for, apesar de não ser um filme imaculado e nem sempre concretizar com primor os seus intentos, saliente-se o mais interessante. Tal como em A Turma, Cantet não dá respostas e abre caminho às nossas reflexões. Se no filme anterior eram de natureza pedagógica, agora são sobre religião, comunismo ou os mistérios da alma, com que o ciclo do filme se encerra, ao som de um belo tema dos Timbre Timbre. Com que encerra ou com se abre de novo. Sem quaisquer demagogias ou espírito panfletário.